sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Um resumão dos primeiros dias de trabalho

1o. dia

Começamos a semana tentando determinar como seria esse trabalho na prática. Como temos um tempo muito curto até as apresentações, é importante fazer certas escolhas para não nos perdermos num processo cheio de desdobramentos, sem conseguir dar conta da encenação propriamente dita.

No primeiro dia, relemos o projeto e pensamos em como seriam as nossas funções exatamente no decorrer desse tempo. Constatamos que, de fato, o que foi previsto no projeto acabou por ser uma boa escolha. Eu, Neto, Elisabete, Ricardo vamos estar em cena, enquanto Cândida e Cris, por não estarem na cidade nesse momento inicial, e também por terem mais experiência e sensibilidade na função de dirigir, vêm mais tarde tentar costurar e trazer novas propostas para o que estamos desenvolvendo. Percebemos também que alguns de nós têm interesse em se aproximar de algumas funções específicas, por exemplo, o Neto quer estar mais perto da criação de luz, e eu da música.

Quanto ao nosso ponto de partida, a obra do Tim Burton e o livro O rapaz ostra, já de cara concordamos que é importante não cair na opção fácil de reproduzir determinadas características estéticas, mas, ao invés disso, encontrar elementos estruturais que possam gerar outras coisas. Constatamos também que seria essencial conhecer e conversar mais sobre a obra do cara, antes de prosseguir.

Quanto ao trabalho em si, todos manifestaram um desejo comum de ir no caminho inverso de processos de criação anteriores, em que a encenação é uma proposta artificial, de emergência, imposta pela falta de tempo, e todo o material produzido durante o processo é cortado e socado para caber em uma estrutura estranha, a cena.

Decidimos então por passar os dias seguintes discutindo e trazendo referências para tentar chegar ao final da semana com um roteiro, que poderíamos testar, modificar e até substituir nos próximos meses. Esse roteiro não precisa ser uma sequencia de ações, mas uma estrutura de encenação, que pode ter formatos variados, desde uma estrutura de jogo, instruções, um contexto de improvisação, etc.

2o. dia

Concluímos que, mesmo tendo interesse no restante da obra do Burton como referência, é importante a gente se ater ao livro, que tem características bem específicas e foi o interesse inicial. Fizemos o exercício de tentar definir alguns elementos que pareceram importantes:

1) Os textos são independentes entre si.

2) São poemas, com rima e métrica, e isso gera limitações (a história tem que caber na melodia).

3) Os personagens são pessoas comuns com uma característica distoante (O Rapaz Ostra é um cara comum, só que é uma ostra; A rapariga de olhos fixos é uma menina comum, só que tem olhos fixos, etc. Foi daí que a gente começou a chamar esse elemento distoante de o "só quê").

4) Cada texto tem um protagonista, e assim o livro é um grupo de protagonistas, independentes entre si, que convivem, ou não convivem, ali.

Isso começou a nos chamar a atenção para essa possibilidade de conviver ou não conviver. Nos pareceu que seria legal pensar sobre isso. Como funcionaria, dentro de um teatro, colocar pessoas no mesmo espaço sem que elas convivam? É possível?

E outra questão que surgiu foi essa de produzir rimas que não dependam de texto. Seria possível rimar imagens, sons, ideias, personagens?

3o. dia

Começamos dando uma olhada no catálogo da exposição do Tim Burton que está no MoMa, em Nova Iorque.

Assistimos também a uma entrevista dele, que está no Youtube:


E, depois, vimos os seis episódios do The world of Stain Boy, que são animações que ele fez com os personagens do livro, que agora aparecem se relacionando.







A partir daí, fomos delineando algumas características da obra dele, por exemplo, as cores que remetem a um universo fantástico, essa mistura entre infantil e tétrico, a sensorialidade.

Voltando às questões do dia anterior, assistimos a outros dois vídeos, dois episódios de Aeon Flux. O primeiro chama War, e indica algumas possibilidades de convivência entre protagonistas, ou de um contexto comum que permite que eventos independentes se desenvolvam.


O segundo chamava Tide, e indicava uma possibilidade de rimar sem usar texto:

Depois disso, assistimos ao Big Fish, que é um dos poucos filmes do Tim Burton que a gente não lembrava direito.

4o. dia

Começamos a conversa fazendo uma lista dos nossos fetiches em relação à peça. Esses fetiches seriam coisas possíveis e impossíveis que cada um de nós tem vontade de fazer, mesmo que não tenham muita relação com o que a gente está discutindo, mas que sejam desejos, vontades que a gente gostaria de materializar em cena.

Aí vão alguns:

Gustavo: Vomitar sangue artificial.
Neto: Usar sangue artificial, mas pra levar tiros.
Beti: Uma parede que levasse um tiro e sangrasse.
Gustavo: Mostrar ângulos impossíveis de serem vistos, como num filme, quando a câmera está embaixo dos pés, ou em algum lugar em que uma pessoa não poderia estar.
Beti: Aprender a atirar facas.
Beti: Atirar uma flecha que atravessasse pelo meio do público e atingisse algo no palco.
Beti: Um número musical.
Gustavo: Falar texto teatralmente.
Gustavo: Usar figurino de teatro.
Beti: Alguma coisa relacionada a um boneco vodu, construir um boneco vodu, espetar alguém, ser espetada.
Gustavo: Usar uma pessoa de fora do elenco que tenha características físicas específicas, um anão, ou gêmeas siamesas, ou aquelas meninas chinesinhas da lanchonete do lado, ou um gigante, etc.
Gustavo: Uma jiboia que viesse do fundo do palco, se enrolasse no performer, e seguisse em direção ao público.
Neto: Luzinhas de natal que fossem como uma parte do corpo, como espinhas ou pelos.
Neto: Ser uma pessoa que se conecta à tomada.
Gustavo: Construir uma música a partir dos sons da cena.
Beti: Jogar uma massa no teto do teatro, que ficasse invisível ao público durante muito tempo, e só depois começasse a escorrer.

Depois lemos alguns trechos de textos que estavam no catálogo do MoMa. Surgiram algumas referências legais, como o surrealismo pop e a lowbrow art (o curador cita especificamente a relação com artistas como o Mark Ryden). Outras características que os textos mencionavam que a gente achou importantes foram esse interesse por personagens que são criaturas (o próprio Tim Burton falava isso), e também o uso de máscaras e a modificação do corpo.

A partir daí fizemos o exercício de tentar voltar o foco para o livro, tentando definir, mesmo que provisoriamente, o que ele apresenta, para depois elencar algumas das estratégias de encenação que a gente foi pensando no decorrer da semana.

A lista do que o livro contém ficou assim:

1. Textos autônomos curtos.
2. Cada texto abriga um evento.
3. Todo texto tem um protagonista.
4. Potencia da rima e da métrica.
5. Personagem com algo de humano e algo de criatura, sempre com alguma característica distoante
6. Corpos com uma sensorialidade bizarramente específica.
7. Espacos sem parâmetros. Nao ha descrições espaciais ou de nenhum contexto que não sejam estritamente necessárias ao evento descrito.
8. Isolamento a partir de uma única perspectiva.
9. Um universo infantil, fantástico e tétrico.

Depois a gente listou algumas das ideias ou estratégias de encenação que ja tinham surgido nos dias anteriores.

a. Uma ideia de um concurso, de tudo fazer parte de um concurso.
b. Um contexto circense, com números (no sentido espetacular).
c. A questão de conviver ou não conviver.
d. Produzir rimas com elementos não textuais.
e. Transpor para a cena, alem da formalidade do poema, uma abordagem poética.
f. Ações que nascem e morrem (ações que surgem, se desenvolvem e têm uma conclusão).
e. Personagens com universos sensoriais específicos.

Aí, a tarefa foi de tentar relacionar essas estratégias com os elementos do livro, para ver o que estava faltando ou sobrando. De que maneira essas ideias que a gente teve para a encenação conseguem se relacionar com o livro, ou com os elementos do livro que a gente optou por recortar.

As correspondências que encontramos foram essas

a) 9, 3
b) 6, 5, 9
c) 3, 1, 8, 7
d) 4
e) 4
f) 1, 2
g) 6, 5, 3, 9

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